domingo, 29 de maio de 2011

Constranger vítima, mediante grave ameaça e, no mesmo contexto fático, manter tanto conjunção carnal como coito anal, constitui um ou vários crimes?


Inicialmente, cumpre registrar que pela antiga redação do Código Penal, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor encontravam-se tipificados nos artigos 213 e 214, respectivamente. Constituíam crimes autônomos, ou seja, jurisprudência majoritária da época considerava que havia concurso material de crimes (artigo 69 do CP) quando um agente praticava as duas condutas no mesmo contexto fático, portanto as penas eram somadas. Entendia-se, ainda, que não poderia ser considerado crime continuado, já que sequer eram da mesma espécie (embora fossem do mesmo gênero, não estavam inseridos na mesma espécie).

Com o advento da Lei nº 12.015 de 7 de agosto de 2009 [1], esses crimes passaram a integrar um único tipo penal; o legislador realizou uma integração entre ambos, revogando o artigo 214, reeditando no artigo 213 do Código Penal o seguinte: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”

A partir dessa alteração passou-se a discutir o seguinte: se um sujeito, no mesmo contexto fático, constrangesse a mesma vítima, mediante grave ameaça, e mantivesse com ela tanto conjunção carnal como coito anal, tal fato constituiria crime único (CP, art. 213, com a redação dada pela Lei 12.015/2009) ou uma pluralidade de crimes (concurso de crimes)?

A questão não é das mais simples. O STJ, entre suas próprias turmas, e o STF, têm sustentado posicionamentos divergentes. Três correntes buscam explicar aludido questionamento.

Uma primeira corrente, representada pela 5ª Turma do STJ, sustenta que o crime nessas condições continuaria a ser punido pelo concurso material de crimes, ou seja, a mesma posição de antes da entrada em vigor da nova lei [2]. Alegam a teoria do tipo misto cumulativo, em que a prática de mais de uma conduta descrita no tipo, embora reunidas no mesmo artigo de lei, serão punidas individualmente, com a soma das penas [3]. E mais: o crime não seria continuado, em face da teoria da penetração diferente, pois não haveria nexo causal entre os fatos sucessivos (o que é um equívoco).

Já a 6ª Turma do STJ entende que tal fato constituiria crime único “em virtude de que a figura do atentado violento ao pudor não mais constitui um tipo penal autônomo, ao revés, a prática de outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal também constitui estupro” [4], ficando a pena agravada dentro dos limites mínimo e máximo, ou seja, o juiz fixaria a pena de acordo com maior ou menor reprovabilidade da conduta, se um ou mais atos fossem praticados contra a mesma vítima [5].


Por derradeiro, a corrente sustentada pelo STF é de que o crime seria único, admitindo-se a hipótese de crime continuado [6].

É possível afirmar que o novo artigo 213 do CP traduz um tipo penal misto cumulativo unitário, por possuir vários núcleos/verbos/condutas descritas no tipo, que quando se trata do mesmo contexto fático, mesma vítima e mesmo bem jurídico o crime é único (e não uma pluralidade de crimes), mas o cometimento de mais de um verbo do tipo gera ofensas intensas, consequentemente o maior desvalor do resultado [7].

Por essa razão, se um crime é praticado através de várias condutas inseridas no artigo 213, o delito será único (lembrando que no caso se trata de mesma vítima e mesmo contexto fático). Contudo, caberá ao magistrado, quando da dosimetria da pena, na análise do artigo 59 do CP, medir o desvalor do resultado e aplicar pena superior caso comparado a um delito em que houve apenas a conjunção carnal, por exemplo.

Acertada, então, as decisões do STF e da 6ª Turma do STJ, e equivocado o entendimento da 5ª Turma do STJ, que bem andou ao sustentar que quando várias condutas são realizadas o fato deve receber maior reprovabilidade [8], contudo pecou ao concluir pelo concurso material de crimes e ao não admitir a tese de crime continuado.

Referências:

GOMES, Luiz Flávio. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso de crimes? Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100630213144106.

NOTAS:

[1] Lei dos crimes contra a dignidade sexual; antes tratava-se de “crimes contra os costumes”. Menciona-se, ainda, o fato de que tanto o homem quanto a mulher podem figurar no pólo passivo e ativo do crime, enquanto que anteriormente, a redação do Código Penal conferida ao estupro, somente a mulher poderia ser vítima e o homem o autor.

[2] Ver HC 104.724-MS e HC 78.667-SP.

[3] GOMES, Luiz Flávio. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso de crimes? Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100630213144106. Acesso em: 24 out. 2010.

[4] Ibidem.

[5] “(...) a prática de outro ato libidinoso não restará impune, mesmo que praticado nas mesmas circunstâncias e contra a mesma pessoa, uma vez que caberá ao julgador distinguir, quando da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP para fixação da pena-base, uma situação da outra, punindo mais severamente aquele que pratique mais de uma ação integrante do tipo, pois haverá maior reprovabilidade da conduta (juízo da culpabilidade) quando o agente constranger a vítima à conjugação carnal e, também, ao coito anal ou qualquer outro ato reputado libidinoso.” Ver HC 144.870-DF.

[6] Ver HC 86.110-SP.

[7] Ao contrário do tipo misto cumulativo, há o tipo alternativo, em que a prática de várias condutas descritas no tipo não geram maior desvalor do fato. Isso significa que, por exemplo, alguém que se enquadre em mais de um verbo do tipo penal do artigo 33 da Lei 11.343/06 (Lei de drogas) será punido pela mesma intensidade que alguém que pratique apenas um dos diversos verbos contidos no tipo.

[8] “Referida Quinta Turma levou em conta o maior desvalor do fato (quando várias condutas são praticadas: coito vaginal e coito anal), mas se esqueceu completamente dos outros critérios: mesmo contexto fático, mesma vítima e mesmo bem jurídico”. Optou pelo tipo penal misto cumulativo concursal, “quando não se trata do mesmo contexto fático ou da mesma vítima ou do mesmo bem jurídico”, enquanto deveria se valer do tipo penal misto cumulativo unitário. GOMES, Luiz Flávio. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso de crimes? Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100630213144106. Acesso em: 24 out. 2010.

Felipe Pinto Bruno - Advogado inscrito na OAB/DF, Pós-graduando em Ciências Penais pelo curso LFG - Brasília.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

No caso de lesão corporal leve, praticada pelo marido contra a mulher, há necessidade de representação por parte da vítima?

Ab initio, cabe um apontamento: o fato de haver uma lei que proteja a mulher (Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha) não é inconstitucional. O princípio da isonomia deve ser interpretado sob o enfoque do tratamento igual para os iguais, e desigual para os desiguais (isonomia material). Isso significa que as mulheres, por serem a parte mais frágil de uma relação familiar, necessitam de uma lei que as amparem frente à ação dos homens que, mesmo com toda evolução da sociedade, regridem no tempo e tratam-nas com inferioridade, senão como objeto. Nesse ponto, cabe analisar se no caso de lesão corporal leve cometida pelo marido contra a mulher a sua representação é imprescindível ou não.

Ora, se visto como um direito da mulher – e é assim que deve ser visto – cabe tão somente a ela “decidir se lhe interessa ou não ver o ente de sua família, que eventualmente a agrediu, preso e processado criminalmente pelo Estado” [1]. Sob um enfoque sociológico, cita-se casos em que “a prisão do esposo da vítima é providência que desampara a própria vítima, tirando de casa a única pessoa provedora de alimentos” [2] e casos em que “a vítima que já passa por dificuldades financeiras, se vê obrigada a desfalcar mais ainda a economia do lar, para pagar a fiança do esposo agressor, que foi preso pela Polícia sem que assim quisesse a vítima agredida” [3]. Ademais, no caso de lesões recíprocas, mútuas, chegaríamos ao absurdo de, no caso de nenhum deles querer representar, a mulher ser liberada e o homem ver-se processado obrigatoriamente, bem como uma lesão corporal leve cometida contra criança ou um idoso depender de representação, e não de forma incondicionada [4].

Daí que até por razões de política criminal se faz necessária a representação da mulher para ver processado seu agressor, “até porque, retroceder a ponto de entender como incondicionada referida Ação Penal seria contrariar a tendência mundial de um Direito Penal fincado na idéia de um Direito Penal mínimo e subsidiário. Estaríamos é acabando com um dos meios de restaurar a paz no lar, indo contra a idéia da lei” [5]. No mesmo sentido:

“[...] cabe à mulher, dotada de capacidade e discernimento, avaliar a conveniência ou não do prosseguimento do processo contra seu agressor. Se a vítima se retrata (em ato solene e formal, perante o juiz e o promotor), afirmando que não deseja o prosseguimento do processo, pois a paz voltou a reinar no lar conjugal, melhor não seria o Estado respeitar essa vontade e por fim ao processo? [...] Sendo possível a continuidade da família, seria razoável a interferência estatal no lar conjugal? E a produção da prova em juízo, não seria dificultada, ante a manifesta vontade da vítima em não processar o agressor?” [6]

De outra sorte, surge o posicionamento daqueles que entendem ser de ação penal pública incondicionada. Sob o ponto de vista destes, a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) não se aplicaria no caso de lesão corporal contra mulher, uma vez que o artigo 41 da Lei Maria da Penha prescreve a não aplicação da Lei dos Juizados Especiais (que instituiu a ação penal pública condicionada aos casos de lesões corporais simples em seu art. 88), ou seja, houve uma derrogação do artigo 88 da Lei nº 9.099/95 em face da Lei Maria da Penha. Assim, a atuação do Estado seria obrigatória, mesmo que contra o interesse da vítima, portanto de ação penal pública incondicionada.


Imperioso destacar que a vedação a que se refere o artigo 41 da Lei nº 11.340 “restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras” [7] da Lei dos Juizados Especiais, como vem julgando o STJ. Frise-se, ainda, que com a edição da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi incluído no Código Penal o parágrafo 9º ao artigo 129 que “se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade” a pena é de 3 meses a 3 anos, ou seja, fora da aplicação do âmbito dos Juizados Especiais, já que a pena máxima supera os 2 anos exigidos pela Lei nº 9.099/95 como de menor potencial ofensivo. Logo, a ação penal é pública incondicionada, mesmo no caso de lesão corporal leve. Por certo deve, sim, vigorar a Lei Maria da Penha, ampliando ainda mais os direitos da mulher.


Contudo, entendo que sua aplicação deveria ser tida com observância de diversos preceitos e princípios, dentre eles o da proporcionalidade e razoabilidade. Isso significa que a lei protetora da mulher no âmbito familiar - em especial nos crimes de lesão corporal leve, objeto do tema abordado – deveria ser aplicada de acordo com a necessidade e vontade da vítima, mediante representação para prosseguir ou não com o feito, tendo em vista sempre a manutenção harmoniosa da instituição família. Ocorre que com a inclusão do parágrafo 9º ao artigo 129 do Código Penal, a natureza da ação para esse crime passou a ser pública incondicionada.


Recentemente, entretanto, o STJ tem adotado o posicionamento de que a Lei Maria da Penha não descaracterizou a natureza da ação penal por crime de lesões corporais leves, que continua sendo pública condicionada à representação da vítima, sob a alegação de que “reconhecer a incondicionalidade da ação quanto aos delitos de lesão corporal simples significaria retirar da vítima o direito de relacionar-se com o parceiro escolhido, ainda que considerado ofensor”[8]. Em caso de eventual pressão do ofensor para que a vítima não prosseguisse com o feito, nosso ordenamento se vale do artigo 16 da lei Maria da Penha, sendo que “a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada” [9]. Nesse sentido, andou bem a jurisprudência; quando a ação é pública incondicionada, cria-se uma barreira para qualquer tentativa de conciliação.


A esfera penal deve sempre receber valoração e não uma interpretação legalista, de modo frio, a obedecer fielmente a letra da lei. O direito penal e processual penal são mais do que isso; são instrumentos que protegem garantias básicas dos cidadãos, o que requer maior cuidado na hora de repassar os fatos para o papel e processar alguém.

Referências:

MOREIRA, Rômulo de Andrade. O STJ, a Lei Maria da Penha e a ação penal nas lesões leves - uma nova orientação. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/39171. Acesso em: 29 ago. 2010.

REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da necessidade de representação no crime de lesão corporal leve praticado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/24966. Acesso em: 29 ago. 2010.

RUFATO, Pedro Evandro de Vicente. Lei Maria da Penha. Lesão corporal leve. Natureza da ação penal. Com a palavra, o STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2272, 20 set. 2009. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13536. Acesso em: 30 ago. 2010

Sítio do STJ: www.stj.jus.br

NOTAS:

[1] REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da necessidade de representação no crime de lesão corporal leve praticado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/24966. Acesso em: 29 ago. 2010.

[2] REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da necessidade de representação no crime de lesão corporal leve praticado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/24966. Acesso em: 29 ago. 2010.

[3] REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da necessidade de representação no crime de lesão corporal leve praticado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/24966. Acesso em: 29 ago. 2010.

[4] MOREIRA, Rômulo de Andrade. O STJ, a Lei Maria da Penha e a ação penal nas lesões leves - uma nova orientação. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/39171. Acesso em: 29 ago. 2010.

[5] REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da necessidade de representação no crime de lesão corporal leve praticado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/24966. Acesso em: 29 ago. 2010.

[6] RUFATO, Pedro Evandro de Vicente. Lei Maria da Penha. Lesão corporal leve. Natureza da ação penal. Com a palavra, o STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2272, 20 set. 2009. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13536. Acesso em: 30 ago. 2010

[7] REsp 109704 /DF. Relator Ministro Jorge Mussi. Terceira seção. STJ. Publicação DJe: 21/05/2010.

[8] AgRg no REsp 1120965/MG. Relator Ministro Og Fernandes. Sexta Turma. STJ. Publicação DJe: 31/05/2010.

[9] REsp 109704 /DF. Relator Ministro Jorge Mussi. Terceira seção. STJ. Publicação DJe: 21/05/2010.

Felipe Pinto Bruno - Advogado inscrito na OAB/DF, Pós-graduando em Ciências Penais pelo curso LFG - Brasília.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O dolo e a culpa fazem parte da culpabilidade ou da tipicidade ou de ambas?

Inicialmente, cumpre registrar o que vem a ser dolo e culpa, culpabilidade e tipicidade. Dolo indica “sobretudo, vontade de produzir o resultado. Mas não é só. Também há dolo na conduta de quem, após prever e estar ciente de que pode provocar o resultado, assume o risco de produzi-lo” [1]. A culpa, por sua vez, constitui a inobservância de cuidado objetivo por parte do agente, seja por negligência, imprudência ou imperícia, isto é, atua através da criação de riscos proibidos [2].

A culpabilidade pressupõe “juízo de reprovação que recai sobre o agente do fato que podia se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso, conforme o Direito” [3], enquanto a tipicidade significa “a coincidência entre dado comportamento humano e a norma penal incriminadora” [4].

Feitas essas breves considerações, indaga-se: dolo e culpa fazem parte da culpabilidade, da tipicidade ou de ambas? Adentrando as teorias do Direito Penal, é possível fazer o seguinte esboço antes de se chegar a uma conclusão, uma opinião definitiva.

Pela teoria causal da ação (Von Liszt, Beling) adotava-se a teoria psicológica da culpabilidade. Esta, que tinha como pressuposto a imputabilidade, era “o vínculo existente entre o agente e seu delito, que se dava ou pelo dolo ou pela culpa. Dolo e culpa faziam parte da culpabilidade” [5]. Aqui, a culpabilidade é puramente psicológica, desprovida de “qualquer valoração e esgota-se na simples constatação da posição do agente perante sua própria conduta” [6].

A teoria neokantista [7], posteriormente, veio a conceber a “culpabilidade bipolarmente: ela é subjetiva e normativa ao mesmo tempo. Acolhe-se, então, a teoria psicológico-normativa da culpabilidade” [8]. Assim, a culpabilidade não era somente psicológica (imputabilidade + dolo ou culpa), mas também normativa (exigibilidade de conduta diversa), ou seja, “a culpabilidade agora é vista como juízo de reprovação, no entanto, não se transformara ainda num puro juízo de valoração” [9]; ainda assim, dolo e culpa continuavam a integrar a culpabilidade.

Já a teoria finalista da ação (Welzel) deslocou dolo e culpa para a tipicidade, afirmando que ambos “pertencem à conduta e em conseqüência ao fato típico: é requisito subjetivo ou normativo do tipo” [10]. Assim, a culpabilidade “transformou-se em juízo puramente normativo. É juízo que recai sobre o agente do fato” [11], daí que se adotou em nossa sistemática a teoria normativa pura da culpabilidade [12].

Uma quarta teoria, chamada teoria complexa da culpabilidade, sustenta estar dolo e culpa na tipicidade e na culpabilidade, ou seja, “o dolo e a culpa possuiriam dupla função dentro do Direito penal: fariam parte da tipicidade e também seriam valorados no âmbito da culpabilidade” [13]; daí ser chamada de complexa.

Pelo exposto, em que pese os entendimentos das teorias descritas, que muito contribuíram para a evolução do Direito Penal, o mais razoável é que a doutrina finalista supera as demais no que tange à culpabilidade, haja vista que o Direito Penal deve ser interpretado de modo a se valorar cada conduta, cada ação. Desse modo é que:

O Direito Penal não pode ser tido como uma mera ciência de proteção de interesses objetivos e formais. Muito pelo contrário, o Direito Penal não é apenas um catálogo de crimes e penas, mas sim e substancialmente o sustentáculo da ordem e garantia dos princípios fundamentais da vida organizada e para que o Direito Penal consiga cumprir sua relevante finalidade social, suas normas deverão ser sentidas, isto é, mais que compreendidas. [14]

Por derradeiro cumpre registrar que a culpabilidade, por ser juízo de desaprovação pela conduta do agente, não merece ter uma concepção meramente psicológica da culpabilidade, o que seria “uma concepção incolor, naturalística, fria, incapaz de adequar-se à rica casuística das situações para ver se é possível um juízo de reprovação e até que ponto”[15]. Portanto, como bem assinala nosso Código Penal, a teoria adotada acerca da culpabilidade é a do finalismo – embora não sejam observados de forma exclusiva os elementos dessa teoria em nosso Código-, eis que a culpabilidade é puro juízo de valor sobre o agente do fato. Isso explica o porquê de dolo e culpa serem afastados da culpabilidade e integrarem o tipo:

(...) sendo puro juízo de censura, não pode a culpabilidade abrigar em seu seio requisitos subjetivos ou psicológicos; logo, o dolo, que é psicológico, é afastado do âmbito da culpabilidade e passa a compor o tipo subjetivo dos delitos dolosos. A culpa, do mesmo modo, como forma de conduta humana, também passa a fazer parte do tipo nos crimes culposos. [16]

Referências

AMARAL JÚNIOR, Ronald. Culpabilidade como princípio. Disponível em: www.ibccrim.org.br.

GOMES, Luiz Flávio. Teorias causalista, finalista e constitucionalista do delito (síntese das distinções). Disponível em: www.lfg.com.br. Acesso em 9 julho 2010.

GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito Penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, v. 2.

GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. BIANCHINI, Alice. Direito Penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2007, v. 1.

MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

NOTAS:

[1] MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 248.

[2] Em linhas gerais, dolo e culpa têm seu significado extraído do artigo 18 do Código Penal.

[3] GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito Penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, v. 2, pp. 408-414.

[4] QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 177.

[5] GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito Penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, v. 2, pp. 408-414.

[6] Ibidem.

[7] Essa teoria significou “a última modificação sistemática do sistema naturalista, caracterizando-se pela visão normativa de valor do Direito Penal. É o abandono do naturalismo ou positivismo para a introdução no Direito Penal do normativismo axiológico”. GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Op. cit.

[8] GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. BIANCHINI, Alice. Direito Penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2007, v. 1, pp. 520-539.

[9] GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito Penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, v. 2, pp. 408-414.

[10] GOMES, Luiz Flávio. Teorias causalista, finalista e constitucionalista do delito (síntese das distinções). Disponível em: www.lfg.com.br. Acesso em 9 julho 2010.

[11] GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. BIANCHINI, Alice. Op. cit.

[12] “ O dolo e a culpa, assim, não fazem parte da culpabilidade; eles passam a ser “objeto da valoração” da culpabilidade. Eles integram o tipo e uma vez ausentes o fato é atípico”. GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Op. cit.

[13] Ibidem.

[14] Apud AMERICANO, Odin. Da culpabilidade normativa. Estudos de Direito e Processo Penal em homenagem a Nélson Hungria. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense, 1962, p. 359. AMARAL JÚNIOR, Ronald. Culpabilidade como princípio. Disponível em: www.ibccrim.org.br.

[15] Apud Bettiol. GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Op. cit.

[16] Ibidem.


Felipe Pinto Bruno - Advogado inscrito na OAB/DF, Pós-graduando em Ciências Penais pelo curso LFG - Brasília.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO

Aos amigos que acompanham e acessam o blog, gostaria de indicar um livro que acabou de ser lançado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO, de Vitor Salino de Moura Eça, lançado pela LTR.
Abaixo, segue breve resumo da obra:

"O processo não pode ser pensado sem o indispensável manejo dos embargos de declaração, que servem justamente para o aperfeiçoamento das decisões judiciais. O que pode ser mais importante?
Os embargos de declaração se constituem ainda em um dos recursos mais utilizados e, por incrível que possa parecer, um dos menos doutrinados.
Este livro vem suprir esta lacuna, oferecendo suporte tanto para o profissional, quanto para o estudioso.
Professores e juízes do trabalho reunidos sob a coordenação do professor doutor Vitor Salino de Moura Eça, vão muito além da simples normatividade. Discorrem sobre a origem do instituto, quais são as decisões embargáveis, o problema da irretratabilidade e da multa, assim como sobre o significado de vícios, obscuridades, contradições e omissões.
Questões processuais complexas, com os efeitos dos embargos, e o caráter infringente, bem como o prequestionamento são enfrentadas sem reservas, dando segurança na aplicação desse importante recurso.
Uma obra essencial."

Para maiores informações, segue o site:

http://www.ltreditora.com.br/lancamentos/embargos-de-declarac-o-no-processo-do-trabalho.html

Além de brilhante, e particularmente grande amigo, Vitor Salino de Moura Eça é doutor em Direito Processual e mestre em Direito do Trabalho, pela PUC-MG, além de Especialista em Direito Empresarial pela UGF e em Direito do Trabalho pela UBA. É juiz do trabalho no TRT da 3ª Região, Minas Gerais. Atuando como juiz convocado há muito tempo, participa com frequência de congressos e seminários, no Brasil e no exterior, assim como em bancas acadêmicas e nos concursos para juiz do trabalho substituto. Professor adjunto III da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua nos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado em Direito. É conselheiro da Escola Judicial e professor visitante em diversas universidades, tais como: Universidad Nacional de Córdoba, Faculdade de Direito de Vitória/ES, Faculdade Pitágoras, dentre outras. Membro efetivo das seguintes sociedades: Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst – Paraná/PR; Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social – AIDTSS; Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB – Brasília/DF; Associação dos Magistrados Mineiros – AMAGIS – Minas Gerais/MG; Associação dos Magistrados Trabalhistas da 3ª Região – AMATRA III – Minas Gerais/MG; Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI – Florianópolis/SC; Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC – Porto Alegre/RS; Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA – Brasília/DF; Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho – ALJT – Brasília/DF; Equipo Federal del Trabajo – EFT – Buenos Aires/Argentina; Fórum Mundial de Juízes – FMJ – Brasília/DF; Instituto Brasileiro de Direito Social Júnior – IBDSCJ – São Paulo; Societé Internationale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale; Rede Brasileira de Juízes – RBJ – Brasília/DF e da Red Latinoamericana de Jueces para Cooperación Judicial e Integración – España/Brasil.

Fica aqui a indicação!

sábado, 28 de agosto de 2010

O porte de arma desmuniciada constitui crime?

O tipo penal do artigo 14 da lei 10.826/03 prescreve que "Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar" configura crime, um ilícito penal de mera conduta e de perigo abstrato, ou seja, aquele em que não é necessário qualquer resultado material, bem como o perigo é presumido, eis que o simples fato de portar a arma (para não citar todos os verbos do núcleo do tipo, posto que aqui se trata especificamente do porte), mesmo desmuniciada, é suficiente para condenação criminal.

Para adentrar melhor na questão (polêmica), destaca-se o seguinte trecho do voto proferido pela Ministra Ellen Gracie no HC 99.449/MG, in verbis:

"O fato de estar desmuniciada não a desqualifica como arma, tendo em vista que a ofensividade de uma arma de fogo não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, causando ferimentos graves ou morte, mas também, na grande maioria dos casos, no seu potencial de intimidação" [1].

No citado Habeas Corpus, a relatora decidiu pela tipicidade da conduta, denegando, consequentemente, a ação impetrada, sob a justificativa de que o legislador, nos crimes de perigo abstrato, busca "antecipar a punição de fatos que apresentam potencial lesivo à população - como o porte de arma de fogo em desacordo com as balizas legais -, prevenindo a prática de crimes como homicídios, lesões corporais, roubos etc.", portanto "sendo irrelevante o fato de a arma estar carregada ou não" [2].

Aludido entendimento, data venia, configura uma posição legalista [3], verdadeira interpretação da letra fria da lei. Em que pese o voto da eminente relatora, esse entendimento não deve prosperar, haja vista ser inconstitucional "pois não se pode restringir direitos fundamentais básicos como a liberdade ou o patrimônio sem que seja para tutelar concretas ofensas a outros direitos fundamentais" [4].

O porte de arma desmuniciada deve ser analisado sob o prisma da ofensividade (também conhecido como princípio da lesividade), que traduz o seguinte:

"O fato cometido, para se transformar em fato punível, deve afetar concretamente o bem jurídico protegido pela norma; não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado - nullum crimen sine injuria" [5].

A norma jurídica penal deve ser lastreada por um aspecto valorativo, ou seja, a norma existe para a proteção de um valor que fundamenta o injusto penal; coligado com o princípio da ofensividade, afirma-se que o crime exige desvalor da ação, caracterizado pela realização de uma conduta valorada negativamente, bem como o desvalor do resultado, caracterizado pela afetação concreta de um bem jurídico [6].

Isso demonstra que a norma penal deve ser valorada ao ser interpretada, caso a caso (exigência da tipicidade objetiva material). Ademais, atualmente a tipicidade é analisada com base em diversas exigências [7], sendo que na ausência de qualquer delas o fato é atípico.

Nesse contexto, não há que se falar em crime quando não se evidencia materialidade delitiva, porquanto não há ofensividade; esse princípio confirma a ausência de perigo abstrato no âmbito do Direito Penal. Assim é que para os que não consideram o princípio da ofensividade, o porte de arma desmuniciada configura crime [8].

Pela posição constitucionalista (teoria esta que é muito mais garantista [9]) para ser considerado um crime, este deve se revestir de ofensividade (lesividade) ao bem jurídico protegido, pois a "norma existe para tutelar um bem jurídico e sem ofensa a esse bem não há delito" [10].

Vivemos num Estado Democrático de Direito em que o Direito Penal deve ser lido através da Constituição Federal, o que significa dizer que os direitos fundamentais não podem sofrer violação (em regra), de modo que outros ramos do Direito podem e devem cuidar de casos de atos lesivos com a mesma eficiência [11], deixando para a órbita penal somente quando houver efetiva e concreta lesão a bens jurídicos mais importantes, pois o Direito Penal configura o remédio mais extremo de punição dentro de um ordenamento jurídico, por implicar na privação da liberdade dos indivíduos [12].

Assim, como não há crime sem ofensa ao bem jurídico, o porte de arma desmuniciada não deve configurar um delito, haja vista que sequer se constata nesta conduta um resultado jurídico lesivo, sendo inadmissível um resultado jurídico presumido.

Referências:

CANAL, Verônica Correia. Atipicidade dos crimes de porte de arma desmuniciada e a posse de munição: exclusão da tipicidade material. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/.

GOMES, Luiz Flávio. Princípios constitucionais reitores do direito penal e da política criminal. Disponível em: http://www.lfg.com.br/

SANTOS, Carla Maia. O porte de arma desmuniciada e a posse de munição. Disponível em: http://www.lfg.com.br/

Notas:

[1] Nesse caso, entendo que num eventual crime de roubo, por exemplo, a utilização de arma sem munição pelo agente se enquadraria no caput do artigo 157, em forma de grave ameaça, e não no parágrafo segundo do mesmo dispositivo, pois sequer possui potencialidade lesiva.

[2] No mesmo sentido vide HC 147.623/RJ e HC 90.197/DF.

[3] "Os legalistas admitem o perigo abstrato. Os constitucionalistas refutam esse modelo de perigo. Para os legalistas o porte de arma sem munição é delito. Para os constitucionalistas o relevante é o perigo concreto". SANTOS, Carla Maia. O porte de arma desmuniciada e a posse de munição. Disponível em: http://www.lfg.com.br/. Acesso em: 10 jun. 2010.

[4] GOMES, Luiz Flávio. Princípios constitucionais reitores do direito penal e da política criminal. Disponível em: http://www.lfg.com.br/. Acesso em: 10 jun 2010.

[5] Ibidem.

[6] Ibidem.

[7] Tipicidade objetiva formal, tipicidade objetiva material e tipicidade subjetiva.

[8] GOMES, Luiz Flávio. Princípios constitucionais reitores do direito penal e da política criminal. Disponível em: http://www.lfg.com.br/. Acesso em: 10 jun. 2010.

[9] O Sistema Garantista, resumidamente, caracteriza-se pela tutela dos direitos fundamentais e limitação do poder estatal.

[10] GOMES, Luiz Flávio. Princípios constitucionais reitores do direito penal e da política criminal. Disponível em: http://www.lfg.com.br/. Acesso em: 10 jun. 2010.

[11] Trata-se do princípio da necessidade, integrante do Sistema Garantista, consistente no fato de que o Direito Penal não deve intervir sempre, ele é ultima ratio.

[12] CANAL, Verônica Correia. Atipiciade dos crimes de porte de arma desmuniciada e a posse de munição: exclusão da tipicidade material. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/. Acesso em: 10 jun. 2010.

Felipe Pinto Bruno - Advogado inscrito na OAB/DF, Pós-graduando em Ciências Penais pelo curso LFG - Brasília.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

EXAME DA OAB: FLAGRANTE INCONSTITUCIONALIDADE E A REPERCUSSÃO GERAL

Muito se tem discutido, desde a sua implantação em 1996, a respeito do “exame” da OAB. Basicamente temos duas vertentes de sustentação, a parte dos Bacharéis em Direito, contra a aplicação do exame, num flagrante cerceamento ao constitucional exercício profissional, e a OAB, defendendo a aplicação do exame como forma de se saber se o bacharel está apto para o exercício da advocacia.
O que se tem observado no decorrer dos últimos anos é que além dos bacharéis em Direito, muitos outros segmentos da sociedade vem numa luta ferrenha contra a aplicação do tal exame. Há inúmeros projetos que visam a retirada da obrigatoriedade do exame para o exercício, repito, constitucional da atividade profissional.
Também, no próprio ceio dos advogados, existem aqueles que pugnam pela retirada do exame. Vemos ainda na classe dos professores, dos juízes e parlamentares, posicionamentos favoráveis a retirada do exame de ordem. Há vários projetos de lei com esta finalidade tramitando no Congresso Nacional, entre eles podemos citar: PL 2.195/07; PL 2.246/07 e o PL do Senado 186/06, que revoga o inc IV e o § 1º do art. 8º da Lei Federal nº 8.906/04. Em todos os projetos apresentados a justificativa é a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do exame de ordem, violação ao art. 5º, inc VIII, art. 205 e art. 22, inc XVI todos da Magna Carta.

Ainda no ano passado, o Senado Federal se manifestou no sentido de promover audiência pública sobre o exame de ordem, para a discussão do PL 186/06 de autoria do senador Gilvam Borges, PMDB/AP, muito embora ainda não se tenha uma data prevista.

Inúmeras ações judiciais vem contestando a aplicação do exame de ordem e recentemente, uma decisão na Justiça Federal do Rio de Janeiro, deu liminar para que seis bacharéis em Direito[1] se inscrevessem na OAB, mesmo sem aprovação no exame:
A Justiça Federal do Rio de Janeiro permitiu que seis bacharéis em Direito atuem como advogados mesmo sem aprovação no Exame de Ordem. Em janeiro de 2008, a juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal, concedeu liminar para permitir a inscrição na OAB. Ao analisar o mérito da questão, em fevereiro deste ano, concluiu que exigir que o bacharel seja submetido ao exame para poder trabalhar é inconstitucional.
Posteriormente, o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, suspendeu a decisão da Juíza Federal Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, em recurso interposto pela OAB, o Des. Castro Aguiar declarou que não entraria na discussão se a decisão da juíza Maria Amélia estaria certa ou errada, apenas que a sua decisão era para preservar o interesse público, ainda explicando que apenas suspendeu os efeitos da decisão da juíza, não a reforma e nem a cassa. Desse fato, observamos, mais uma vez a vitória do corporativismo e da política desempenhada pela OAB.

Recentemente o Min. Marco Aurélio, relator do RE 603.583-RS, recurso este, que contesta a decisão do TRF-4, na qual afirma que somente bacharéis em Direito podem participar do exame de ordem, manifestou-se no sentido da Repercussão Geral sobre o tema, e os ministros do Supremo por unanimidade acolheram o voto do relator, reconhecendo que há Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Decisão essa que passa por contornos de controle de constitucionalidade.

Em breve o STF vai se manifestar sobre a questão da inconstitucionalidade do exame da OAB, que pretere bacharéis de Direito, já diplomados pelo MEC, ao exercício profissional da advocacia, presente no texto constitucional na forma do art. 5º, inc XIII de nossa Magna Carta.

O Recurso Extraordinário está previsto no art. 102[2], inc III da Magna Carta e permite a impugnação pelo STF das decisões em única ou última instância, que envolvam matéria constitucional:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
O Recurso Extraordinário é a penúltima etapa do controle difuso de constitucionalidade. A questão é suscitada incidenter tantum, ou seja, de modo incidental, o objeto da ação não é a constitucionalidade em si, mas uma relação jurídica envolvendo lei cuja validade frente à Constituição possa ser argüida, onde a solução da questão constitucional é fundamental para a decisão do litígio.
A questão é submetida ao Plenário do Supremo, com quorum de oito ministros e a decisão deve ser da maioria com o voto de no mínimo seis dos ministros. A decisão gera efeitos inter partes e ex tunc. Somente o Senado, após o trânsito em julgado da decisão favorável do STF, pode conferir efeito erga omnes a decisão, como prevê o art. 52, inc X da Constituição Federal, suspendendo a lei ou artigos da lei em questão.
Hodiernamente há uma nova tendência doutrinária e jurisprudencial de equiparação dos efeitos da decisão do controle difuso às do controle concentrado, ou seja, o efeito da decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada norma pelo Supremo no exame de um Recurso Extraordinário não ficaria restrito somente ao caso em concreto analisado, reforçando a idéia de que o Supremo Tribunal Federal não pode acumular funções de um Tribunal Constitucional e ao mesmo tempo julgar causas cujos efeitos de sua decisão somente repercutirão entre as partes envolvidas, uma vez que a função precípua desse Tribunal é justamente a de guardião da Constituição.

O Min. Gilmar Mendes[3] endossa a abstrativização do controle difuso e declara que:
(...) marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, ainda que de forma tímida, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto.
Noutra passagem o Min. Gilmar Mendes[4] se manifestou nesse sentido no Processo Administrativo n. 318.715/STF:
O recurso extraordinário ‘deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). (...)A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato - não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos.
O que se depreende é que vem ocorrendo verdadeira mutação constitucional, ou seja, vem ocorrendo alterações no significado e sentido interpretativo de um texto constitucional. De forma que nessa nova interpretação o Senado somente possuiria o ônus da publicidade, ou seja, apenas o dever de divulgar a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva, transitada em julgado, pelo STF.
Sem dúvida esse novo posicionamento do STF, dentro do controle de constitucionalidade, reflete a sua missão de guardião da Constituição.
Convém destacar que, pós Emenda Constitucional 45, houve mudanças no sentido de uma seleção dos recursos a serem apreciados pelo STF, com a criação do instituto da Repercussão Geral.
O instituto da Repercussão Geral é um instrumento processual que possibilita ao STF a seleção dos Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com os critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. Trata-se na verdade de um filtro recursal que, por certo, tem a finalidade de diminuir a quantidade de processos encaminhados à Suprema Corte. No site do Supremo[5] temos a seguinte definição acerca da Repercussão Geral:
Repercussão Geral
Descrição do Verbete: A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria.
Por verdade, há uma inegável tendência de que as instâncias inferiores sigam a decisão do STF, muito embora não exista vinculação a esse respeito no caso do Recurso Extraordinário.

Sobre esse instituto o que mais nos interessa neste momento é a declaração por unanimidade do Plenário do STF, da existência de Repercussão Geral da questão constitucional suscitada, em 11.12.2009, no RE 603.583-RS[6], da lavra do Relator Min. Marco Aurélio que assim se pronunciou:
"RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S): JOÃO ANTÔNIO VOLANTE
ADV.(A/S): CARLA SILVANA RIBEIRO D AVILA
RECDO.(A/S): UNIÃO
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECDO.(A/S): CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
ADV.(A/S): MIRIAM CRISTINA KRAICZK E OUTRO(A/S)
PRONUNCIAMENTO
EXAME DE ORDEM – LEI Nº 8.906/94 – CONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL – TEMA ÚNICO DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.
1. A Assessoria prestou as seguintes informações:
Submeto a Vossa Excelência o tema veiculado no Recurso Extraordinário nº 603.583/RS, para exame da oportunidade de incluir a matéria no sistema eletrônico da repercussão geral.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitou a alegação de inconstitucionalidade do artigo 8º, § 1º, da Lei nº 8.906/94 e dos Provimentos nº 81/96 e 109/05 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Conforme a Corte, ao estabelecer que somente bacharéis em Direito podem participar do Exame de Ordem, o Conselho Federal da OAB observou os limites da competência prevista no mencionado preceito legal. Além disso, a exigência de aprovação no Exame de Ordem como requisito para o exercício da advocacia não conflitaria com o princípio da liberdade profissional – artigo 5º, inciso XIII, da Carta da República. Os embargos declaratórios interpostos contra o acórdão foram desprovidos.
No extraordinário interposto com alegada base na alínea a do permissivo constitucional, o recorrente articula com a ofensa aos artigos 1º, incisos II, III e IV, 3º, incisos I, II, III e IV, 5º, incisos II e XIII, 84, inciso IV, 170, 193, 205, 207, 209, inciso II, e 214, incisos IV e V, da Lei Maior. Inicialmente, afirma não haver pronunciamento do Supremo quanto à constitucionalidade do Exame de Ordem. Sustenta caber apenas à instituição de ensino superior certificar se o bacharel é apto para exercer as profissões da área jurídica. Reputa inconstitucional a autorização, constante do artigo 8º da Lei nº 8.906/94, para regulamentação do Exame de Ordem pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, consideradas a afronta ao princípio da legalidade e a usurpação da competência privativa do Presidente da República para regulamentar leis.
Conforme alega, a submissão dos bacharéis ao Exame de Ordem atenta contra os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade bem como do livre exercício das profissões e contra o direito à vida. Impedir que os bacharéis exerçam a profissão de advogado após a conclusão do curso universitário também representaria ofensa aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Discorre sobre o valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil, e diz que a exigência de aprovação no Exame de Ordem representa censura prévia ao exercício profissional. Por fim, relata ter sido editada norma federal específica com a finalidade de regulamentar, para todas as profissões, o artigo 205 da Carta da República: a Lei nº 9.394/96, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Sob o ângulo da repercussão geral, assevera que o entendimento a ser adotado por esta Corte norteará a aplicação do Direito Constitucional em inúmeros casos semelhantes. Afirma estar em jogo tema relevante do ponto de vista: a) moral, diante da frustração dos bacharéis impedidos de exercer a advocacia e dos respectivos familiares; b) econômico, pois a carteira de advogado viabilizaria o exercício da profissão e c) social, considerada a impossibilidade de o bacharel participar efetivamente da sociedade como conhecedor e aplicador do Direito. Diz da existência de vários projetos de lei a respeito da extinção do Exame de Ordem.
O Vice-Presidente da Corte de origem admitiu o extraordinário.
O trânsito do recurso especial simultaneamente protocolado foi obstado na origem. Não há notícia da interposição de agravo de instrumento dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.
Brasília, 5 de novembro de 2009.
2. A ausência de interposição de agravo contra o ato que implicou a inadmissibilidade do recurso especial não prejudica o trânsito deste extraordinário. A razão é única: o acórdão impugnado tem fundamento estritamente constitucional, havendo a Corte de origem placitado a Lei nº 8.906/94.
No mais, está-se diante de situação concreta retratada em inúmeros processos. Bacharéis em Direito insurgem-se nos diversos órgãos do Judiciário contra o denominado Exame de Ordem, que, segundo argumentam, obstaculiza de forma setorizada, exclusivamente quanto a eles, o exercício profissional. O Supremo há de pacificar a matéria, pouco importando em que sentido o faça.
3. Manifesto-me pela existência de repercussão geral.
4. Incluam no sistema.
5. À Assessoria, para acompanhar o incidente.
6. Publiquem.
Brasília – residência –, 14 de novembro de 2009, às 20h."
E assim terminou o pronunciamento do Min. Marco Aurélio, óbvio está que o STF vai pacificar a matéria, resguardando a sua primordial função de guardião da Magna Carta. E por certo esperamos que o Supremo julgue no sentido da inconstitucionalidade, extirpando do nosso ordenamento jurídico essa afronta a princípios constitucionais tão evidentes. Assim também se manifesta, Fernando Machado de Silva Lima[7], advogado e professor de Direito Constitucional da UNAMA e principal articulista pela inconstitucionalidade do exame de ordem:
Evidentemente, o Supremo Tribunal Federal deverá pacificar a matéria, no desempenho de sua função de guardião da Constituição. Não é mais possível que o Exame da OAB continue sendo aplicado aos bacharéis em direito, apenas aos bacharéis em direito, sob a injurídica, capciosa, desonesta e ridícula alegação de que ele é necessário, para resguardar os interesses da sociedade contra advogados que não tivessem a mínima qualificação profissional.
Não é possível que qualquer pessoa medianamente inteligente não consiga entender que esse exame fere o princípio constitucional da igualdade. Apenas para exemplificar: se um exame desse tipo fosse necessário na área jurídica, com maior razão ainda ele seria necessário para os médicos e para os engenheiros. Isso é evidente, e dispensa maiores explicações.
Vamos com certeza aguardar essa decisão do Supremo Tribunal Federal, tão preciosa para os bacharéis de Direito.
A Lei nº 8.906/94[8] prevê em seu art. 8º, inc IV, para a inscrição do bacharel de Direito nos quadros da OAB, a aprovação em exame de ordem, e em seu §1º prevê a regulamentação do exame pelo Conselho Federal da OAB, conforme se transcreve:
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
IV - aprovação em Exame de Ordem;
§ 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.
A nosso sentir tais previsões guardam em si flagrantes inconstitucionalidades, tanto no aspecto formal, quanto no aspecto material. Em primeiro lugar a Magna Carta é a lei suprema do nosso Estado Democrático de Direito, e somente ela pode delegar poderes e competências. O exame de ordem é regulado por provimento do Conselho Federal da OAB, e temos claramente definido no art. 84, inc IV da nossa Constituição Federal que é competente, privativamente, o Presidente da República, para a regulação de leis, conforme se transcreve:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Em assim sendo, atividade privativa do Presidente da República, a Lei n. 8.906/94 não pode atribuir competência ao Conselho Federal da OAB para a regulamentação do exame de ordem, portanto é inconstitucional a delegação, e em decorrência deste aspecto o provimento n. 109/05, ato administrativo, expedido pelo referido Conselho é também, por via reflexa, inconstitucional. Logo, temos aí configurada uma inconstitucionalidade formal do exame de ordem, uma vez que não compete ao Conselho Federal da OAB o poder de regulamentar leis federais.
Mas cabe ainda a análise da inconstitucionalidade material, uma vez que o exame de ordem vai de encontro ao art. 5º, inc XIII da Constituição, com previsão de que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Nessa cláusula pétrea infere-se que o bacharel de Direito, qualificado por Instituição de Ensino Superior, não poderia de forma alguma se submeter a exame de ordem, como condição do seu livre exercício profissional, vez que na expressão “qualificação profissional que a lei estabelecer” não se enquadra a aplicação do referido exame. A qualificação profissional é definida pelas Instituições de Ensino Superior, reconhecidas e fiscalizadas pelo Poder Público, diga-se MEC.
Ainda nessa seara, apontamos a afronta ao principio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma vez que o exame de ordem impede o exercício da advocacia e o direito ao trabalho, aos bacharéis de Direito plenamente qualificados ao exercício profissional, através das Instituições de Ensino que lhes conferiram a diplomação, atendidas as exigências do MEC, numa violação flagrante ao art. 1º, incs III e IV da Constituição Federal.
Por derradeiro, apontamos ainda ofensa ao principio constitucional da igualdade, haja vista que qualquer bacharel, em nosso país, pode exercer livremente a sua profissão, necessitando apenas solicitar a sua inscrição no respectivo conselho profissional, como é o caso dos professores, dos médicos, dos dentistas, e tantas outras profissões. Mas isto não se aplica aos bacharéis de Direito, estes são os únicos no país obrigados a efetuar um exame de ordem, mesmo tendo sido submetidos a estágio profissional, também regulado pela OAB, e concluído a graduação, após cinco longos anos de estudos.

Em nosso país a gestão do ensino deve atender aos preceitos contidos na Lei n. 9.394/96[9]. A Lei de Diretrizes e Bases fixou como finalidade da educação superior a formação de diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos dessa forma a inserção nos setores profissionais, assim prevê seu art. 43, inc II, que se transcreve:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
Ora, vê-se clara e cristalinamente, que é a Instituição de Ensino Superior a competente para a formação de profissionais nas diversas áreas do conhecimento. Tal atribuição legal é frontalmente violada pelo exame de ordem, uma vez que este, tem a pretensão de qualificar os bacharéis de direito ao exercício profissional da advocacia, cuja clara competência é das Instituições de Ensino Superior, do Estado, via MEC.
Trazemos a colação o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases, que determina que os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, tem validade nacional como prova de formação profissional, sendo expedidos e registrados pelas próprias universidades, assim é a previsão:
Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.
§ 1º Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não-universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação.
Ainda o art. 53, incs I, II e VI do mesmo diploma dispõe a competência das Universidades para fixar currículos de seus cursos e programas, e conferir graus, diplomas e outros títulos, numa clara referência a autonomia das Instituições de Ensino Superior:
Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; (Regulamento)
II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;
Não resta a menor dúvida da invasão de competência firmada pelo exame de ordem. Os bacharéis de Direito tem sua qualificação profissional definida pela Lei de Diretrizes e Bases em comento, via Instituição de Ensino Superior e não devem se submeter ao exame de ordem, como condição de exercício profissional, uma vez que a OAB não tem competência para avaliar a qualificação profissional do bacharel de Direito.

Nesse sentido trazemos a colação o art. 205, que encerra claramente que a educação é dever do Estado e que qualifica o bacharel para o trabalho, e o art. 209[10], onde fica claro que a autorização e a avaliação da qualificação profissional compete ao Poder Público, via Ministério da Educação e Cultura, ambos da Magna Carta:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Mais uma vez é firmada a inconstitucionalidade do exame de ordem da OAB.

É claro que a OAB defende o exame de ordem com unhas e dentes, é uma mina de ouro para a entidade. Vejamos que anualmente temos a aplicação de três exames de ordem, com a taxa de inscrição a R$ 145,00, valor do 1º exame de 2009, e tendo um índice médio de aprovação inferior a 20%, certamente somos forçados a concluir que mais de 80% dos inscritos farão novamente o próximo exame. É uma bola de neve. Isso sem mencionar os cursinhos jurídicos.

A OAB, até o presente momento, defende a aplicação do exame de ordem e para tal, argumenta que há uma gigantesca proliferação de cursos jurídicos, que o ensino jurídico nas Universidades é muito deficiente e que o MEC não fiscaliza os cursos superiores. Em palestra realizada no tema da XXXIX Colégio de Presidentes das Subseções da OAB-MS[11], o presidente da OAB-RJ, Sr. Wadhi Nemer Damous Filho declarou que:
"Atualmente existem 1.085 cursos jurídicos no Brasil. Só em meu estado (RJ) são 110 cursos. Só para comparar, em todos os EUA existem 220 cursos. Esse excesso de instituições de ensino jurídico brasileiro infelizmente não é acompanhado de qualidade acadêmica. Na maioria das vezes, como ocorreu no Rio, são cursos montados em qualquer 'biboca' de esquina por empresários que mercantilizam o ensino", afirmou Damous. "Temos de destacar que sob a gestão do presidente Cezar Britto o Conselho Federal da OAB não tem medido esforços em gestões junto ao Ministério da Educação contra a abertura de novos cursos e pelo rigor quanto à qualidade dos cursos já existentes, mas, lamentavelmente, não há um retorno adequado à estas gestões por parte do MEC."
Nesse ponto precisamos lembrar que o exame de ordem não é uma construção pátria, foi inspirado no modelo americano, ou seja, mais uma vez se incorporam as construções alienígenas. A guisa de informação temos que o exame de ordem também é aplicado em muitos países, como na Itália, Alemanha, Portugal, Japão, Suíça, Áustria, Inglaterra, França e tantos outros. Mas é por demais importante dizer que a aplicação desse exame é privativa do Poder Público e não do órgão de classe, isso a OAB não menciona em suas alegações.

O que na verdade estamos presenciando é uma manobra astuta para a obtenção e manutenção de arrecadação. Segundo o relatório de desempenho das Instituições de Ensino Superior, elaborado pelo CESPE e apresentado no próprio site da OAB[12], referente ao exame de ordem 2009/1 nacional, o número total de inscritos foi de 59.832, desses 58.761 prestaram a primeira fase do exame, com 12.857 aprovados para a segunda fase e sendo aprovados apenas 11.444 ao final. Numa operação matemática simplória, verificamos que 19,48% do total de inscritos, foram aprovados. Mas lembrando que 59.832 bacharéis se inscreveram, pagando R$ 145,00 de taxa de inscrição, podemos depreender que a arrecadação total foi de R$ 8.675.640,00, isso apenas no primeiro exame de 2009, de um total de três exames. Forçoso concluir que no ano de 2009 a arrecadação da OAB com o exame de ordem venha a ultrapassar os 25 milhões de reais. É ou não uma mina de ouro!

Em entrevista ao O DIA[13], em 06.10.09, o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous declarou que:
"A responsabilidade da Ordem dos Advogados está na identificação dos aptos a iniciar suas carreiras com um mínimo conteúdo necessário para enfrentar as dificuldades de seus clientes. O Exame não é insuperável. Longe disso, ajuda a fortalecer a categoria. A prova é que cerca de 7 mil novos advogados ingressam no mercado do Rio de Janeiro a cada ano."
Ora, essa conta deve ser contestada, a uma porque a OAB não tem competência para avaliar a qualidade das Instituições de Ensino Superior, no país, a duas porque, vejamos que no exame de ordem 39, o primeiro de 2009, a OAB-RJ teve um total de 7008 candidatos inscritos, desses apenas 1.795 foram aprovados ao final, num percentual de 25,61%, mantida essa proporção, chegamos a conclusão que em 2009 teremos, uma média, de 21.024 inscritos para 5.385 aprovados, bem menos que a declaração do presidente.

Não podemos negar a enorme existência de cursos jurídicos no Brasil, não podemos negar que alguns deles são deficientes, como acontece também com outras áreas do conhecimento superior, contudo, podemos afirmar que a OAB não tem competência para avaliar a qualidade do ensino, podemos afirmar que a qualificação profissional compete ao Poder Público, através do MEC. Podemos sim afirmar que é obrigação da OAB, como entidade de classe, a fiscalização dos advogados no exercício da advocacia, assim como procedem o CRM, o CRO, o CREA e assim por diante. Mas deixamos a sua conta as conclusões acerca do embate.
Bem sabemos que o ensino no Brasil, seja fundamental, médio ou superior, há décadas é deficiente, e não somente para a carreira do Direito, mas para todas as carreiras, sejam médicos, professores, engenheiros, economistas, arquitetos, etc. O Estado não investe o suficiente em políticas educacionais, não há material adequado, e os professores não são bem preparados, uma vez que, neste país não se sobrevive com os baixos salários, obrigando os docentes a terem três ou mais empregos, para sustentar a si e sua família. Este não é um privilégio dos docentes, a classe médica enfrenta o mesmo problema.

Basta para isso que comparemos o nosso sistema de ensino com o de outros países, tais como, Portugal, Finlândia, Suíça, Suécia, entre tantos outros, onde o investimento em educação e saúde é enorme, diga-se, investe-se na base de construção de uma nação. Segundo Cristovão Buarque[14], Senador e professor da Universidade de Brasília, o último censo escolar mostra uma tragédia hemorrágica no organismo do Brasil e a continuar assim uma anemia intelectual, como se transcreve:
Os dados do último censo escolar mostram a tragédia de uma hemorragia no organismo do Brasil: a redução no número de jovens que buscam a carreira do magistério nas nossas universidades. A continuar nesse rumo, o Brasil terá o agravamento da anemia intelectual que nos caracteriza. Em um mundo competitivo, isso significa a anemia na economia, na cultura, na vida social. Sem uma boa educação de base, não teremos uma boa universidade, porque desperdiçaremos os cérebros excluídos por falta de boa qualidade nos primeiros anos de educação. Mas sem uma boa universidade, não teremos boa educação de base, por falta de bons professores; esse é o círculo vicioso da hemorragia intelectual do Brasil.
A culpa está na falta de prestígio da carreira do magistério, por causa dos baixos salários, das vergonhosas condições de trabalho, da violência a que são submetidos os professores e da falta de adaptação da escola atual às necessidades e gostos das novas gerações. Mas a culpa está também na estrutura universitária, que não produz os profissionais de que o país precisa, nem com a qualificação necessária.
A universidade deve formar uma elite intelectual que se ponha a serviço do país, da população e da Humanidade.
Então modestamente apresentamos uma proposta a questão, a nosso sentir amplamente viável de ser aplicada, e no sentido de promover a educação do nosso país.
Uma vez que a sociedade tem a consciência de que o ensino no Brasil, em especial o Superior, é deficitário e forma profissionais de baixa qualidade, como dizem por aí, seria então por demais vantajoso para a sociedade, e principalmente para os profissionais brasileiros, que o MEC promovesse um exame nacional de conclusão do curso de graduação, sendo aplicado a todas as carreiras.

Seria muito simples, uma substituição do que é hoje o ENADE[15], mas, obrigatório para todas os cursos superiores e, agora a questão principal, como condição de obtenção do diploma de nível superior, a ser aplicado no último período do curso de graduação. Desta forma, o graduando que não atingisse o grau mínimo para aprovação, não poderia se formar, não obteria o diploma, devendo então prestar o próximo exame nacional.
E como sabemos, a maioria dos cursos de graduação, tem seus currículos divididos em períodos semestrais, portanto, o MEC poderia efetuar duas provas nacionais por ano, uma em julho e outra em janeiro. E claro, mediante o pagamento de uma taxa simbólica, que cobrisse os custos do exame nacional, não de forma a se tornar uma fonte de arrecadação, como é o caso do exame de ordem promovido pela OAB. Dessa forma ganharia a sociedade e os profissionais dos mais variados ramos do conhecimento, ganharia o Brasil.

Por fim, e de muita necessidade, a criação pelo MEC, da Licenciatura em Direito. A graduação de direito teria um ano a mais de duração para formar, para aqueles que assim o desejarem, professores de direito, pois como sabemos não existe curso de licenciatura plena em Direito. O que vemos no Brasil são magistrados, promotores, defensores, advogados, entre tantos outros, atuando também como professores, mas sem a devida qualificação, como é o caso dos que abraçam o magistério, e que tem um curso superior de licenciatura plena.

Por tudo que aqui foi exposto, cristalino é que o exame de ordem aplicado pela OAB é inconstitucional. Fere princípios constitucionais, dentre eles da igualdade, da isonomia, do direito ao exercício profissional e da legalidade e da dignidade da pessoa humana.

A OAB não tem competência para a qualificação profissional do bacharel de Direito, esta é, por definição legal, do Ministério da Educação e Cultura, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Numa clara invasão de competência a OAB tenta usurpar essa função, sob o pretexto de que há uma enorme proliferação de cursos jurídicos no país, e ainda que os cursos existentes formam bacharéis que não estão aptos ao exercício profissional da advocacia.

Como demonstramos o exame de ordem da OAB é tanto formalmente, quanto materialmente inconstitucional. E ainda imoral, sob o aspecto arrecadatório, fomentando a vultosa arrecadação, sob a forma de taxa de inscrição, e ainda fomentando a proliferação de cursinhos, de formação duvidosa, tendo como, única e exclusivamente, a finalidade de aprovação nesse infame exame de ordem.
E por fim um questionamento para dar início a várias reflexões. Porque, tamanho alarde faz a OAB a favor do exame de ordem, se para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal basta ter notável saber jurídico, reputação ilibada, ser indicado e aprovado em sabatina no Senado Federal? Esta é a previsão do art. 101 da Constituição Federal. Não precisa ser juiz, promotor, defensor público e nem advogado, basta ter, novamente afirmamos, notável saber jurídico, o qual a nossa Magna Carta não define.
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
O presente artigo não se tem a pretensão em esgotar o assunto, mas esperamos ter contribuído para que a sociedade se esclareça mais sobre a questão. E é também uma contribuição ao apontar uma solução modesta para os cursos de graduação, formador de profissionais, apontados, por muitos, como deficitários.
[1] CONSULTOR JURÍDICO. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-mar-06/juiza-permite-bachareis-tornem-advogados-passar-exame-oab. Acesso em: 10 jan 2010.
[2] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/leg.asp. Acesso em: 10 jan 2010.
[3] MENDES, Gilmar Ferreira, Controle de Constitucionalidade incidental. Disponível em www.gilmarmendes.com.br. Acesso em 10 jan 2010.
[4] DIDIER JR., Fredie. Transformações do Recurso Extraordinário. In: Processo e Constituição. Estudos em homenagem a professor José Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Júnior, Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). São Paulo: RT, 2006. Pág. 122.
[5] Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=451. Acesso em: 12 jan 2010.
[6] STF. Pronunciamento do Min. Marco Aurélio no RE 603.583-RS. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/pronunciamento.asp?pronunciamento=3262858. Acesso em: 12 jan 2010.
[7] LIMA, Fernando Machado da Silva. Exame da OAB: repercussão geral. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14251. Acesso em 27 jan 2010.
[8] BRASIL, Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 12 jan 2010.
[9] BRASIL. Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm. Acesso em: 12 jan 2010.
[10] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Op. cit.
[11] OAB-MS. Damous prega defesa pública do Exame de Ordem pela valorização da advocacia no Brasil. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1639338/damous-prega-defesa-publica-do-exame-de-ordem-pela-valorizacao-da-advocacia-no-brasil. Acesso em: 12 jan 2010.
[12] OAB-RJ. Estatísticas. Disponível em: http://exo.oab-rj.org.br/index.jsp?conteudo=3817. Acesso em: 12 jan 2010.
[13] ODIA. Wadih Damous: Exame de Ordem. Disponível em: http://odia.terra.com.br/portal/conexaoleitor/html/2009/10/wadih_damous_exame_de_ordem_38985.html. Acesso em: 12 jan 2010.
[14] BUARQUE, Cristovam Ricardo Cavalcanti. Universidade do Magistério. Disponível em: http://www.cristovam.org.br/portal2/index.php?option=com_myblog&show=Universidade-do-magistA-rio-.html&Itemid=100113. Acesso em: 12 jan 2010.
[15] INEP. ENADE. O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), tem o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. O Enade é realizado por amostragem e a participação no Exame constará no histórico escolar do estudante ou, quando for o caso, sua dispensa pelo MEC. O Inep/MEC constitui a amostra dos participantes a partir da inscrição, na própria instituição de ensino superior, dos alunos habilitados a fazer a prova. Disponível em: http://www.inep.gov.br/superior/enade/enade_oquee.htm. Acesso em: 15 jan 2010.
[16] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Op. cit.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/leg.asp. Acesso em: 10 jan 2010.
______, Constituição da República Federativa do Brasil. Op. cit.
______, Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 12 jan 2010.
______, Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm. Acesso em: 12 jan 2010.
BUARQUE, Cristovam Ricardo Cavalcanti. Universidade do Magistério. Disponível em: http://www.cristovam.org.br/portal2/index.php?option=com_myblog&show=Universidade-do-magistA-rio-.html&Itemid=100113. Acesso em: 12 jan 2010.
CONSULTOR JURÍDICO. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-mar-06/juiza-permite-bachareis-tornem-advogados-passar-exame-oab. Acesso em: 10 jan 2010.
DIDIER JR., Fredie. Transformações do Recurso Extraordinário. In: Processo e Constituição. Estudos em homenagem a professor José Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Júnior, Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). São Paulo: RT, 2006. Pág. 122.
INEP. ENADE. Disponível em: http://www.inep.gov.br/superior/enade/enade_oquee.htm. Acesso em: 15 jan 2010.
LIMA, Fernando Machado da Silva. Exame da OAB: repercussão geral. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14251. Acesso em 27 jan 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira, Controle de Constitucionalidade incidental. Disponível em www.gilmarmendes.com.br. Acesso em 10 jan 2010.
OAB-MS. Damous prega defesa pública do Exame de Ordem pela valorização da advocacia no Brasil. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1639338/damous-prega-defesa-publica-do-exame-de-ordem-pela-valorizacao-da-advocacia-no-brasil. Acesso em: 12 jan 2010.
OAB-RJ. Estatísticas. Disponível em: http://exo.oab-rj.org.br/index.jsp?conteudo=3817. Acesso em: 12 jan 2010.
ODIA. Wadih Damous: Exame de Ordem. Disponível em: http://odia.terra.com.br/portal/conexaoleitor/html/2009/10/wadih_damous_exame_de_ordem_38985.html. Acesso em: 12 jan 2010.
Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=451. Acesso em: 12 jan 2010.
______. Pronunciamento do Min. Marco Aurélio no RE 603.583-RS. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/pronunciamento.asp?pronunciamento=3262858. Acesso em: 12 jan 2010.
CARLOS ALBERTO FERREIRA PINTO
Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial pela FESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública-RJ). Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito Público e Tributário pela Universidade Cândido Mendes.
CARLOS ALBERTO FERREIRA PINTO
Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial pela FESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública-RJ). Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito Público e Tributário pela Universidade Cândido Mendes.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

É válida a investigação criminal direta do Ministério Público no contexto do Sistema Acusatório?

Como sabido, o constituinte brasileiro optou pela adoção do sistema acusatório em nosso ordenamento jurídico que, mesmo não vindo expressamente dito na Carta Magna, verifica-se a opção pelo modelo através da leitura do artigo 129, inciso I de seu texto legal, ao estabelecer ao Ministério Público o exercício da ação penal.
Ademais, observam-se princípios e garantias de ordem democrática insculpidos na Constituição, como o devido processo legal, imparcialidade do julgador, ampla defesa, contraditório etc, de modo a tornar mais garantista a atuação do processo penal, que deve limitar e legitimar o poder Estatal de punir, isto é, tornar viável e equilibrada a aplicação de pena bem como ser um efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, fruto de grandes conquistas do homem, para proteger o cidadão dos poderes do Estado.
Tudo isso implica um modelo de Estado Democrático de Direito, que aponta como elemento principal a dignidade da pessoa humana.
Diante de tais argumentos, surge uma questão que vêm dividindo doutrina e jurisprudência no cenário atual: se é válida a investigação criminal direta do Ministério Público no contexto do Sistema Acusatório.
A resposta deve ser “não”. Não é válida a atuação do Ministério Público diretamente na persecução criminal, pelo menos em face do sistema acusatório, que rege nosso processo penal.
Vislumbra-se que tal argumento se impõe porque cabe ao Ministério Público o controle externo da atividade policial - “o que não significa a substituição da presidência da investigação, conferida ao delegado de carreira” [1] -, sendo esta uma forma de assegurar o sistema acusatório, onde cada um cumpre seu papel, sua função, sem adentrar na esfera de atribuições do outro e contaminar – se não o processo – sua própria consciência com um pré-julgamento do caso.
Deve o promotor, portanto, acompanhar as investigações e requisitar diligências quando necessário, jamais avocando para si a responsabilidade de investigar diretamente, apurando um crime; deve sempre fazê-lo de longe, apenas fiscalizando a atividade policial e interferindo somente para solicitar alguma diligência, assegurando, assim, que o acusado terá seus direitos resguardados.
Nesse contexto, Aury Lopes Jr.[2] aduz que:
[...] por falta de uma norma que satisfatoriamente defina o chamado controle externo da atividade policial [...], não podemos afirmar que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito policial, mas sim participar ativamente, requerendo diligências e acompanhando a atividade policial.

Caso o membro do Parquet realizasse diretamente a investigação, quem lhe fiscalizaria e quem garantiria os direitos do acusado? Haveria plena desigualdade das partes, tendo o juiz que intervir diretamente no inquérito para controlar a atividade investigativa do promotor, desvirtuando totalmente o sistema acusatório. O Poder Judiciário estaria fazendo as vezes do Ministério Público, entrando em contato com os autos antes da fase processual, o que poderia interferir no julgamento do magistrado. [3]
Portanto, o certo é que a Constituição atribui ao membro do Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial, e não o de substituí-la.
Ademais, não devem ser tidos como válidos e legítimos argumentos tais como “quem pode o mais, pode o menos” (teoria dos poderes implícitos) pelo qual um órgão com maiores poderes/atribuições pode exercer uma atividade de menor expressão, ou seja, muitos entendem que se cabe ao Ministério Público promover a ação penal, estaria ele legitimado a realizar diretamente a investigação. Contudo, estas são competências diversas, em que a Constituição se encarregou de explicitar quais seus titulares.
Outro ponto que merece atenção é o fato de o inquérito policial ser instrumento meramente facultativo e dispensável para propositura da ação penal. Em que pese esse entendimento, impossível aproveitar-se disso para afirmar que o Ministério Público realize a investigação. Não há a figura do promotor-inquisidor em nosso ordenamento jurídico.
De mais a mais, a Constituição Federal já se encarregou de atribuir à polícia a apuração de infrações penais, como dispõe o artigo 144, § 1º, incisos I e IV, e § 4º, da Constituição Federal, sendo forma da garantia constitucional do devido processo legal. [4]
Por derradeiro, tendo em vista a adoção do sistema acusatório, típico de um Estado Democrático de Direito, não deve ser tida como correta a interpretação da possibilidade de o Ministério Público investigar diretamente um crime, haja vista que sua presença na condução do inquérito é apenas “secundária, acessória e contingente”,[5] eis que aludida tarefa cabe à polícia judiciária.
Além disso, como afirma Nucci, “o sistema processual penal foi elaborado para apresentar-se equilibrado e harmônico, não devendo existir qualquer instituição superpoderosa”.[6] Seria uma quebra do garantismo, demonstrando nítido retrocesso; inconcebível uma instituição que zela pelos direitos e garantias fundamentais agir ilimitadamente na produção de provas para, posteriormente, per se, acusar.

Referências:
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 5. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.




[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 81.
[2] LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 5. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 259.
[3] “Ao transformar a investigação preliminar numa via de mão única, está-se acentuando a desigualdade das futuras partes, com graves prejuízos para o sujeito passivo. É convertê-la em uma simples e unilateral preparação da acusação, uma atividade minimalista e reprovável, com inequívocos prejuízos para a defesa.” LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 5. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 249.


[4] “Note-se, ainda, que o art. 129, III, da Constituição Federal, prevê a possibilidade do promotor elaborar inquérito civil, mas jamais inquérito policial.” NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 81.
[5]LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 5. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 260.
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 81.
Felipe Pinto Bruno - Advogado inscrito na OAB/DF, Pós-graduando em Ciências Penais pelo curso LFG - Brasília.