terça-feira, 26 de janeiro de 2010

As Alterações Introduzidas pela Lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008 no Processo Penal

Considerações Iniciais
O presente trabalho tem como proposta estudar as inovações introduzidas pela lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008 no Código de Processo Penal, no que diz respeito à atuação do juiz de ofício, quando da prolatação de sentença condenatória, e, principalmente, quando nesta, há a nova definição do fato típico, ou seja, do crime, mesmo que o novo enquadramento seja em crime mais grave, ou sejam reconhecidas circunstâncias agravantes ao crime.
O Código de Processo Penal, antes da alteração promovida pela lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008, dava liberdade ao juiz, de definir juridicamente o fato de forma diversa da que constasse na queixa ou denúncia, ainda que essa nova definição do fato tivesse sanção mais grave, devendo apenas, baixar o processo para que, a defesa manisfeste-se em 8 (oito) dias, e caso queira, produza provas, podendo ser ouvidas até 3 (três) testemunhas. Em se tratando de ação penal pública o Ministério Público aditasse a denúncia, e posteriormente abrindo-se prazo de 3 (três) dias à defesa para que esta oferecesse provas, podendo arrolar até 3 testemunhas.
A lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008 altera os dispositivos legais relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos constantes do Código de Processo Penal, modificou a faculdade que o juiz tinha de aplicar e/ou reconhecer de ofício as circunstâncias agravantes do crime objeto do processo penal em curso, limitando sua atuação apenas a aplicação da lei em si, sem modificação da descrição do fato típico em sim; e, observando também, a partir dessa nova definição, se há a possibilidade de suspensão condicional do processo, bem como se é competente para julgar tal fato. No caso de ser possível a suspensão do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto em lei; e, no caso de incompetência de juízo, esse deverá encaminhar os autos ao juízo competente para julgar a infração, dando assim maior celeridade ao processo.
Em As Alterações introduzidas pela lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008 no processo penal, visa-se apresentar as questões mais importantes sobre o emendatio libelli, mutatio libelli, suspensão e procedimentos processuais.
Dentre as questões mais relevantes a serem abordadas na análise do tema em foco, pode-se enumerar as seguintes indagações:
Quais as principais alterações introduzidas pela lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008, no que diz respeito à sentença e atuação do juiz?
Como era, e agora como ficou a operacionalidade do instituto do emendatio libelli?
Como era, e agora como ficou a operacionalidade do instituto do mutatio libelli?
É possível a atuação do juiz, de ofício, na celeridade processual no que diz respeito à absolvição com o advento da lei n.º 11.719/2008?
Temos, portanto, como objetivo a demonstração da reforma processual penal de 2008, expondo os poderes da figura do juiz, suas limitações após a lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008, sua função nos institutos de emendatio libelli e mutatio libelli, bem como a atuação do Ministério Público também nesses institutos.
Objetiva-se também a exposição da atuação do juiz na aplicação de agravantes, em sentença condenatória, mesmo quando o Ministério Público tenha opinado pela absolvição do réu, levando em consideração os preceitos fundamentais inseridos na Carta Magna, que, de forma garantista, vai de encontro ao Código de 1940, época em que se imperava no país, e na sociedade de modo geral, um modo autoritário de governo e pensamento.
Sendo a escolha do presente tema motivada por sua importância em relação à atuação do juiz e do Ministério Público no processo penal, quando da denúncia e seu recebimento, seu aditamento quando necessário, sua análise, tese defensiva, e finalmente, sua sentença.
Há quem sustente que os artigos que davam a total liberdade ao juiz de dar ao fato definição diversa da contida nos autos, de forma a observar os agravantes do fato, e consequentemente o aumento de pena a ser cumprida pelo réu, como preceituado no antigo artigo 383 feria o princípio da correlação entre imputação e sentença, que é uma das principais garantias do direito de defesa, e tutelado por via constitucional.
Outros sustentam até que esse artigo não deveria sequer ter sido recepcionado pela Carta Magna, uma vez que o Código de Processo Penal é anterior à promulgação da Constituição Federal, afinal, o Código foi elaborado em pleno Estado-Novo.
Ocorre que esse Código tem de aproximadamente 68 (sessenta e oito) anos de existência, e, passado por 3 (três) Constituições, sendo a última, a de 1988, a mais democrática e garantista de todas as outras, e por via de conseqüência com algumas divergências e confrontos com o já idoso Código.

- Principais alterações introduzidas pela lei n.º 11.719 de 20 de junho de 2008, no que diz respeito à sentença e atuação do juiz:
A lei n.º 11.719/2008 introduziu algumas modificações no processo penal em si, principalmente na atuação de ofício do juiz.
A primeira modificação foi em relação ao artigo 383 do Código de Processo Penal, que antes da lei, dava liberdade ao juiz de dar nova definição jurídica ao fato, mesmo que essa nova definição fosse mais grave que a contida na denúncia ou queixa, além de reconhecer agravantes, caso existissem.
Com a lei n.º 11.719/2008, que lhe acrescentou 2 (dois) parágrafos, essa liberdade deixou de ter seu caráter incisivo, e indicou ao julgador que, mesmo dando definição jurídica ao fato diversa da contida na denúncia ou queixa, sem, é claro, modificar a descrição do fato, ele, de ofício, em conseqüência dessa nova definição, deverá proceder o disposto em lei no que tange a suspensão condicional do processo; desde que, caiba ao caso concreto. E ainda, com essa nova definição, se o juízo não for ou deixar de ser competente, este, deverá, também de ofício, encaminhar os autos para o juízo competente.
Outra modificação introduzida pela lei 11.719/2008 foi em relação ao artigo 384 do mesmo diploma legal que retirou o parágrafo único, e acrescentou 5 (cinco) parágrafos. Onde anteriormente se previa que o juiz, ao reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica ao fato, baseado em provas existentes nos autos, circunstâncias elementares explícitas ou implícitas na denúncia ou na queixa, deveria baixar o processo, para que a defesa se manifestasse em 8 (oito) dias, e se quisesse, produzisse prova, podendo ser ouvidas até 3 (três) testemunhas. No caso da possibilidade de nova definição jurídica do fato, se essa importasse em aplicação de pena mais grave, o juiz deveria baixar o processo afim de que o Ministério Público pudesse aditar a denúncia ou queixa, nos casos de ação penal pública, e, em seguida, a defesa tinha 3 (três) dias para oferecer prova, arrolando até 3 (três) testemunhas.
Após a referida lei, esse procedimento ganhou maior celeridade, pois, logo após o encerramento da instrução probatória, poderá ocorrer o aditamento da denúncia ou queixa, quando desta houver a instauração de ação pública, que deverá ser feito em 5 (cinco) pelo Ministério Público, que, caso não o faça, os autos serão remetidos ao Procurador-Geral para que o faça, ou designe outro promotor para fazê-lo, e, só então, se estes não entenderem pelo aditamento, ou entenderem pelo arquivamento, aí sim, o juiz será obrigado a atender a opinião do Ministério Público.
Assim, se deverá ser ouvida a defesa no prazo de 5 (cinco) dias, e, se admitido o aditamento, o juiz, a requerimento das partes designará audiência com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento, podendo ser arroladas em 5 (cinco) dias 3 (três) testemunhas para cada parte, devendo o juiz ficar, na sentença, adstrito aos termos do aditamento, afinal, o processo deve estar já saneado,o que vem a imprimir maior celeridade à aplicação da tutela jurisdicional penal.
Caso não seja recebido o aditamento, o processo prosseguirá seguindo os mandamentos do Código de Processo Penal.

- A operacionalidade do instituto do emendatio libelli:
Antes do advento da lei n.º 11.719/2008, o instituto do emendatio libelli consistia em, o juiz verificando a comprovação dos fatos, e as circunstâncias constantes do processo, podia condenar o acusado, dando ao delito a definição jurídica que entendesse cabível e não a articulada na peça inicial, podendo até, em sentença, condenar o réu por outro crime descrito, ou seja, sem que houvesse a específica imputação.
Atualmente, com a referida lei, esse poder do juiz, deixou de ser absoluto, uma vez que lhe é dada a faculdade atribuir definição jurídica diversa à dos autos, ainda que essa seja mais grave, desde que não modifique a descrição do fato, mas, caso essa nova definição possibilite a suspensão condicional do processo, o juiz deverá proceder de acordo com o disposto em lei, e aplicável ao caso.
Se a nova definição jurídica do fato deixar de ser de competência do juízo que a proferiu, deverá então, encaminhar ao juízo competente, imprimindo assim maior celeridade ao processo.
Na emendatio libelli não ocorre uma verdadeira alteração do libelo, e sim uma corrigenda da peça acusatória.

- A operacionalidade do instituto do mutatio libelli:
O mutatio libelli, é a verdadeira alteração do libelo, que ocorre durante a instrução do processo, onde se colhem provas de que existem elementos essenciais que estão contidos, expressa ou implicitamente na denúncia, de modo que a sentença não pode ser proferida de imediato.
Assim, anteriormente à lei n.º 11.719/2008, o processo era baixado para que a defesa se manifestasse, e se quisesse produzisse prova, podendo ser ouvida até 3 (três) testemunhas, no prazo de 8 (oito) dias, sob pena de nulidade.
Caso o juiz verificasse que deveria aplicar pena mais grave do que a resultante da imputação não contida expressa ou implicitamente na denúncia, deveria baixar o processo para que o Ministério Público aditasse a denúncia, e, posteriormente, manifestação da defesa, no prazo de 3 (três) dias, podendo inclusive arrolar 3 (três) testemunhas e produzir prova.
Já com o advento da já citada lei, logo depois de encerrada a instrução probatória, o Ministério Pública, caso entenda cabível, poderá aditar a denúncia num prazo de 5 (cinco) dias, podendo inclusive fazer oralmente.
Observa-se também que, caso o Ministério Público não entenda pelo aditamento, o juiz remete os autos ao Procurador-Geral para que esse o faça, ou designe novo membro do Ministério Público para fazê-lo, e, só assim, caso esse não entenda pelo aditamento, esse não será feito, ou ainda, se esse entender pelo arquivamento do processo, assim será feito.
Antes de se admitir o aditamento, a defesa deve ser ouvida em 5 (cinco) dias, e, admitido o aditamento, uma audiência será marcada para inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento, desde que requerida por qualquer das partes.
Se a partir do aditamento houver condição de suspensão condicional do processo, o juiz assim o fará, observando o procedimento disposto em lei; bem como, se deixar de ser competente, encaminhará ao juízo competente.
Em havendo o aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. Caso não seja recebido o aditamento, o processo prosseguirá.

- A atuação do juiz, de ofício, na celeridade processual no que diz respeito à absolvição com o advento da lei n.º 11.719/2008:
No processo penal, o juiz age sempre em prol dos esclarecimentos da verdade real dos fatos, para dirimir qualquer dúvida que possa ainda existir nos autos do processo, formando, portanto, seu convencimento para julgar a causa.
O Código de Processo Penal não adotou o princípio da identidade física do juiz, princípio o qual o magistrado que não presidiu a instrução do processo, não pode prolatar sentença. Só poderia fazê-lo após determinar novamente toda a instrução.
Esses preceitos foram revogados pela lei n.º 11.719/2008, evitando assim que o processo penal se arraste, tomando mais tempo do que deveria.
Parte da doutrina defende, basicamente, a atuação do juiz, de ofício, só deve ser válida quando em benefício do réu, como prescrito na Lei Maior, considerando nula, ou, ao menos passível de anulação os atos que prejudiquem o réu, seja por não observarem o contraditório, seja por não observarem o devido processo legal.
De acordo com o artigo 385 do Código de Processo Penal, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada, nos casos de ação penal pública. Podem ser reconhecidas, inclusive, as circunstâncias não articuladas na denúncia, desde que presentes no fato típico.
Outra atuação de ofício do juiz é no sentido de absolver o réu (também foi modificada pela lei 11.719/2008), desde que mencione a causa na parte dispositiva reconhecendo estar provada a inexistência do fato, não haver prova da existência do fato, não constituir o fato infração penal, estar provado que o réu não concorreu para a infração penal, não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal, existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência, não existir prova suficiente para a condenação, demonstrando assim, a observância dos preceitos fundamentais contidos na Constituição da República, de forma visivelmente garantista.
Logo, sob esse ponto de vista, do garantismo constitucional, tornou a referida lei tão importante para o ordenamento jurídico penal, já que além de imprimir mais celeridade ao processo, faz os operadores do direito observarem e respeitarem as garantias fundamentais, que são os pilares da Constituição Federal de 1988.
Ainda na sentença absolutória, o juiz deverá mandar, se for o caso, pôr o réu em liberdade, ordenar a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas, aplicar medida de segurança, caso cabível.
Conclui-se que, a alteração do Código de Processo Penal ao ‘tentar’ privilegiar a celeridade deixou de observar alguns preceitos constitucionais, como o do contraditório e ampla defesa, peças essenciais ao garantismo, reinante no ordenamento jurídico, principalmente em sua corte suprema.

Diego Costa
Advogado inscrito na OAB/RJ, pós-graduando em Direito Processual Civil

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